sábado, 7 de janeiro de 2012

03/04/2011 - Bairro Islâmico

Em nosso quarto dia no Cairo, o programado foi visitar o Bairro Islâmico.  A idéia era começarmos pela Citadela e cruzarmos o bairro a pé, até o Mercado Khan el Khalili, conhecendo as atrações pelo caminho.  A primeira missão do dia foi pegar um táxi.  Pegar não, essa parte foi fácil, difícil foi explicar para o motorista para onde queríamos ir.  O diálogo começou com poucas palavras, foi regredindo para mímica e por fim identificação de imangens, quando uma foto da Mesquita de Muhammad Ali de nosso guia resolveu o impasse.

Cerca de 20 minutos depois e 10 Libras Egípcias (menos de 3 reais, gorgeta inclusa), chegamos ao portão principal de acesso a Citadela de Saladin, um dos principais cartões postais do Cairo.  A Citadela é uma fortificação medieval islâmica construída na colina Mokattan, próxima ao centro da cidade, em 1176 pelo famoso líder muçulmando Saladin, tendo sido sede do governo egípcio por quase 700 anos.

Hoje o complexo da Citadela engloba três importantes mesquitas (de Mohammed Ali, de an-Nasr Mohammed e Suleiman Pasha), alguns museus, dentre eles o Museu Nacional Militar, e alguns terraços com belas vistas da cidade.

Entrada da Citadela

Depois de algum trabalho, conseguimos comprar os ingressos e entrar na Citadela.  O tripé mandrake me tomou uns minutos de explicação quando olharam minha mochila, mas entramos apenas com a recomen-dação de que não poderíamos usá-lo nas mesquitas.

Dentro da Citadela, nossa primeira parada foi na Mesquita de al-Nasir Muhammad.  Construída pelo sultão de mesmo nome no século XIV pra ser a mesquita real da Citadela, onde os sultãos do Cairo faziam suas orações da sexta-feira.  A mesquita ocupa uma área de mais de 3500 m2 e tem capacidade para até 5000 pessoas em oração.  Diferentemente de outras mesquitas, a área externa desta é bem sóbria e quase sem decoração.

Exterior da Mesquita de al-Nasir Muhammad
Por fora não dá pra ver muita coisa, mas por dentro ela é rica em detalhes, tanto nas colunas, com nas paredes e no púlpito.  Trabalhos artesanais detalhistas e muito bem feitos estão espalhados por todos os cantos.


Saindo dessa mesquita, seguimos para a principal, a Mesquita de Mohammed Ali, cuja importância faz com que muitos chamem a citadela de Citadela da Mesquita de Mohammad Ali.  Essa mesquita é a tumba do seu construtor, Mohammad Ali Pasha, e é tambem conhecida como a Mesquita de Alabastro, pelo extenso uso desse material em sua construção.


Essa mesquita consiste de duas partes, a coberta e um pátio aberto.   A área do pátio é maior até do que a área coberta, com mais de 2800 m2.  O chão é todo de mármore e estava gelado nesse dia.  No meio do pátio encontra-se uma fonte, que os fiéis usavam pra sua oblação antes das orações. O pátio é contornado por 47 arcos cobertos por pequenos domos.  Há também uma pequena torre decorada com latão e vidros coloridos, que contém um relógio dado de presente ao Egito pelo Rei da França Louis Felipe, em retribuição ao obelisco dado aos franceses por Mohammed Ali.




As orações são feitas no espaço coberto, uma área quadrade de 41m de lados com quase 1700m2 cobertos por um domo de 21 metros de diâmetro e 52 metros de altura que possui outros domos de igual diâmetro e menor algura ao redor.  O interior estava escuro, mas iluminado com centenas de lustres que davam uma beleza diferente ao local.

Muslinda!

Depois de um tempo contemplando o interior da mesquita e observando as pessoas, saímos e tiramos mais algumas fotos do lado de fora e da vista da cidade do Cairo.  Então seguimos em direção ao Museu Militar, ainda dentro da Citadela.

Panorama da Cidade do Cairo vista da Citadela - Foto ajustada no Phosotshop, para compensar a poluição do ar

Considerações arquitetônicas breves!

Mesquita e Madrassa do Sultão Hassan, vistas da Citadela


O Museu Nacional Militar contém uma vasta coleção de armas e uniformes, além de diversas obras de arte ilustrando as guerras egípcias desde os tempos antigos.  Também não foi permitido tirar foto em seu interior.

O interessante desse museu, principalmente no contexto do momento, é a grande presença da figura do Hosni Mubarak, ditador deposto, que governou o país por mais de 30 anos. Em várias obras de arte e salas Mubarak ainda era reverenciado e exaltado, coisa que eu acredito que mudará radicalmente nos próximos anos.

Do lado de fora do museu encontramos algumas barracas de bugingagas onde aproveitamos e compramos algumas lembranças  pra nossa coleção.




Depois do Museu fomos procurar a outra mesquita no interior da Citadela, mas quando encontramos descobrimos que estava em obra.  Além de ser a menor das três mesquitas, ainda estava em obra então não foi muito interessante, na verdade nem valeu a caminhada...  Com essa última visita, encerramos o passeio pela Citadela e como só houvesse um portão disponível, começamos o caminho de volta por sobre nossos passos para sairmos e seguir o plajenado explorando o bairro Islâmico.

Mesquita do Suleiman Pasha


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Antes de continuar as narrativas de nossa saga pelo Oriente Médio, vamos a algumas curiosidades que já pudemos observar nesses poucos dias.

TÁTICAS PARA ARRANCAR UM TROCO DOS TURISTAS E TÁTICAS DE DEFESA

Existem várias formas de arrancar umas libras dos turistas.  A mais tipica é o mega/super/ultra faturamento de qualquer item ou serviço, que apesar de ser bem velha e manjada, ainda consegue fazer suas vítimas; a mais desagradável, sem dúvida, e que mais perturba os turistas é a persistência, os vendedores são extremamente agressivos e grudentos, em pontos turísticos perturbam o sossego dos visitantes e podem até estragar o dia dos mais irritadiços; existem outras técnicas, como mudar o preco combinado, dar troco errado, cobrar taxas extras (como o velho golpe de cobrar 10 libras pra subir num camelo e depois dizer que pra descer são 50 libras)...  mas todas estão amplamente relatadas pela internet.  Além dessas, existem outras técnicas mais simplórias e insidiosas, duas das quais vou descrever agora.

1 - Esquema do Papel Higiênico



Vai ser relativamente comum encontrar banheiros disponíveis pelo Egito, que tecnicamente serão gratuitos, mas invariavelmente terão aquilo que apelidamos de "Senhora do Banheiro".  A Senhora do Banheiro é uma mulher egípcia que por alguma razão qualquer (chamamento divino, talvez) se declara a guardiã daquele banheiro, monta guarda em frente à porta e aborda todo e qualquer indivíduo que se aproxime.  A sutileza do golpe está no fato de que ela se passa por gentil prestadora de serviço, te oferecendo o papel higiênico que você nunca encontratá dentro de nenhum banheiro gratuito egípcio (cheguei a pensar que ela que tira o papel do banheiro).  É mais um daqueles esquemas de constrangimento.  Você tenta ir ao banheiro e a Senhora do Banheiro se apresenta, solicitando, mimicamente, dinheiro pelo uso do banheiro.  Você não entende o que ela fala nem ela entende o que você diz, portando você nunca irá conseguir esclarecer se TEM que pagar, se PODE pagar ou se DEVE pagar.  Somando-se a esse constrangimento a oferta do papel higiênico, acaba sendo quase que inevitável perder umas libras para a Senhora do Banheiro.

Senhora do Banheiro em ação!

Mas não pense que suas poucas libras te renderão fartura de papel higiênico.  A Senhora do Banheiro sabe o valor que o rolo branco e perfumado em suas mãos tem.  Ela habilmente saca um pedaço de papel de cerca de 40 cm e te entrega, e você não conseguirá mais sem perder mais umas libras.  Se você for homem e for apenas fazer o número 1, será fácil, se for mulher, possível.  Agora, homem ou mulher, se estiver precisando fazer o número dois, você terá que ser um fenômeno universal da eficiência pra limpar sua culatra com aquela tirinha de papel.

Eu costumo dizer que se você cai num golpe uma vez, a culpa é do golpista, mas se você cai outras vezes, a culpa é sua.  Então hoje, em nosso quarto dia no Egito, já estávamos imunizados contra a Senhora do Banheiro, levando na mochila o mais poderoso amuleto: nosso próprio rolo de papel higiênico.

Então a dica é essa:  tenha em mãos seu amuleto, siga com passos firmes e atitude vencedora, ignore a Senhora do Banheiro e seja livre para cagar!

2 - Esquema da Gentileza Aparentemente Gratuita

Gamal nos alertou muito a respeito da voracidade e do cuidado com os malandros nas áreas turísticas, nos alertou, diversas vezes, que se quiséssemos comprar qualquer coisa, bastava falar com ele que ele nos ajudaria.  Até garrafas de água mineral ele comprava pra gente, pra evitar nosso contato com vendedores egípcios.  Gamal foi o único caso de gentileza genuína que tivemos no Egito. 

Portanto, por mais preconceituoso que essa sujestão seja, suspeite de qualquer atitude gentil quando estiver no Egito.  Mesmo escaldado, fui iludido e caí neste golpe hoje, dentro de uma mesquita.  Estávamos minha fiel escudeira e eu contemplando o interior da Mesquita do Sultão Hassan (relato da visita mais abaixo) quando uma pessoa se aproximou de nós.  Éramos os únicos no interior da mesquita e o cara se aproximou falando mansinho, com aparência gentil, puxando conversa conosco.  Perguntou de onde éramos, de onde vinhamos, se apresentou...  mesmo tentando evitar a conversa, quando percebemos ele já estava falando sobre a mesquita, falando sobre a decoração, o púlpito, sobre a acústica...  ele inclusive cantou algumas palavras em árabe, que acreditamos fossem cântigos religiosos.

Pois bem, tão logo terminou, o muçulmano gente boa mostrou as garrinhas, tirando dinheiro do bolso com uma das mãos, e com a outra fazendo o gesto universal do dinheiro, esfregando o polegar no indicador.  Um muçulmando, dentro de uma mesquita, nos extorquindo algumas libras sob a desculpa de nos falar sobre o templo.  Apesar de tudo, a explicação que não pedi foi legal, e ele levou algumas libras.

Egípcia gentil dando explicações sobre a Mesquita

Depois desse episódio, desenvolvemos uma técnica que funciona, apesar de que os árabes ainda tentam vencer a barreira que criamos.

A dica é essa: qualquer gentileza ou favor será feito mediante a expectativa de umas libras, mesmo que seja algo tão simples quanto tirar uma foto pra você, portanto, se você não quiser a gentileza ou o favor, ou se não quiser perder umas libras, rejeite toda e qualquer gentileza, e se for verbal, finja que não fala inglês, diga que é da Islândia, ou dá Papua Nova Guiné, ou solte o equivalente a "eu não falar bom o ingles, não conségo te enteder-te".  Se conseguir convencer o camarada de que não entende o que ele fala, ele desistirá de te explicar qualquer coisa.  Mas lembre-se: escolha um país estranho!  Dizendo ser brasileiros ainda encontramos alguns árabes tentando falar espanhol e até mesmo algumas palavras de português.

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Vamos em frente.  Saindo da Citadela, nos deparamos com o único problema contra o qual eu não tinha feito qualquer planejamento, um problema que eu sequer cogitara ou vira menção em qualquer lugar durante meses de pesquisa, um problema inimaginável de se enfrentar no Egito:  a chuva.



Uma nuvem negra tomou o céu e começou a chuviscar, o que nos obrigou a ficar numa área coberta no portão de entrada por cerca de meia hora.   Com o estio, seguimos pelas ruas em direção a bairro islâmico, com o intuito de atravessá-lo à pé, visitando as mesquitas pelo caminho.  Faltou só combinar com a chuva.


Logo depois, fomos surpreendidos por ela novamente, e com muito custo conseguimos correr até um ponto de ônibus e nos abrigar.  Consultando o mapa, esperamos o próximo estio para ir às duas construções mais próximas, a Mesquita e a Madrassa do Sultão Hassan.

O estio foi apenas uma pegadinha, tão logo entramos no descampado a chuva novamente apertou.  Corremos até o guichê onde vendia os ingressos e tentar comprá-los fez eu me sentir dentro de um episódio do Chaves.  Chegamos correndo pois estávamos sob chuva, pedi os dois ingressos e coloquei o dinheiro na bancada, aí a senhora do guichê começou a comédia de pastelão, perguntando se Michelle era muçulmana, ou se eu era muçulmano.  Ou ela não nos entendia ou não aceitava a resposta, pois precisei falar três vezes que não éramos muçulmanos, a última já exasperado, pois estavamos com chuva forte caindo nas nossas cabeças.  Não creio que foi por maldade, acontece que muçulmanos não precisam pagar para entrar nas mesquitas, mas não precisava ser tão insistente sob chuva, não é verdade?


Com os ingressos nas mãos e com chuva na cabeça, entramos primeiro na Mesquita do Sultão Hassan.
Essa mesquita é um imenso prédio construída em 1359 por ordem do sultão Hassan, um governante de pouca expressão, sendo considerada à época um marco por seu tamanho e componentes inovadores de arquitetura.  Além da mesquita, o complexo possui também uma Madrassa, que é um complexo educacional.





Ela foi construída próximo da Citadela, com a idéia de que de lá o governante pudesse contemplar sua beleza durante seus trabalhos de governante.  É considerada a mais bela obra da arquitetura árabe, e também uma das mais imponentes, com um de seus minaretes sendo o mais alto do Cairo, com 86 metros de altura.  Uma das suas maiores peculiaridades é que seu principal propósito, de ser túmulo do sultão, não foi cumprido, pois o Sultão Hassan foi assassinado e seu corpo foi escondido e nunca mais encontrado.

Ficamos presos na mesquita durante o bom tempo enquanto uma pacada de chuva caía e apesar de não ter ficado tão irritado, não consegui evitar alguma frustração.  Ser atrapalhado de cumprir meu roteiro programado  pelas ruas do Cairo, em pleno Egito, por causa de chuva foi demais pra mim.  Mas acabou sendo um momento legal, ficar sentados sozinhos numa ampla sala da mesquita, observando a chuva caindo sobre o átrio de oblação dos fiéis, a água empoçando e lavando as paredes, depois ver os trabalhadores trabalhando na limpeza e remoção da água... Preferia sol, claro, mas já que o dia oferecia limões, limonada é a bebida.






Pessimismo x Otimismo

Com um novo estio, saímos de nossa sala e fomos conhecer o resto da mesquita, quando caímos na armadilha do gentil muçulmano que nos falou sobre a mesquita.  Contemplamos o interior, observamos os detalhes e depois fomos visitar a Madrassa.  Observamos também o prédio, a decoração, tiramos algumas fotos e depois saímos novamente para as ruas do bairro islâmico, com destino Mesquita de Ibn Tulum.

Mais uma vez, faltou combinar com a chuva.  Pouco depois de voltarmos às ruas, a chuva recomeçou novamente e assim continuo, de forma intermitente, indo e vindo.  Estávamos numa área bem feia e pobre, com o mesmo padrão de sujeira e bagunça do centro do Cairo, mas, confirmando o velho ditado, ainda dava pra piorar!  A chuva transformou o que já era ruim numa merda.  Poças de lama, sujeira escorrendo, lixo boiando nas poças... foi semelhante a estar com os pés sujos dentro de casa e de repente pisar em um pouco d´agua:  o seu pé sujo que não causava danos passa de repente a emporcalhar tudo o que toca.  Foi mais ou menos isso, toda aquela sujeirada e lixo ganhou uma evidência especial com a chuva.



Insistimos um pouco e fomos em frente, contornando poças, pulando riachos de lama, desviando de pessoas e objetos, até que chegamos ao nosso limite.  Desistimos de chegar à Mesquita de Ibn Tulum, pulamos dentro de um táxi que tinha uma aparência um pouco melhor, e começamos a luta para tentar explicar ao taxista pra onde ir.  Com alguma mímica, achamos ter nos feito entender, mas ele nos levou para o Museu do Cairo e de lá tivemos que ir sinalizando o caminho até a esquina do hotel.




A corrida levou mais de uma hora, pois o trânsito estava caótico, e nos divertimos vendo o motorista destrinchando o trânsito do Cairo à buzinadas, com um semblante sereno mesmo com aquele comportamento que qualquer um julgaria ser extremamente estressado.

Chegando ao hotel, voltamos novamente ao nosso Muquifo Bisurado, e compramos o rango da noite.  Michelle não estava satisfeita e queria outra coisa, então saímos a procura de outro muquifo qualquer por perto.  Achamos uma banca de kebab e depois de ver um camarada comprar um sanduichão de carne bem vistoso, Michelle pediu um igual e, esperançosa com a compra, voltamos ao hotel.  O preparo do sanduíche foi interessante: o cara metia a carne dentro do pão usando uma ferramenta singular: a mão.








De volta ao hotel, servimos a comida na mesa e quando começamos a comer, Michelle quase teve um troço. O sanduíche que ela havia comprado, como se não bastasse ser servido "a la mãozão", era de fígado.  A carne tão vistosa que vimos ser colocada no sanduíche era fígado de alguma coisa, provavelmente boi.  Cuspindo o pedaço, Michelle praguejou algumas coisas em árabe mesmo, jogou o sanduíche fora e partiu pra dentro do resto da comida.

Pra fechar o dia, apesar do tempo ruim, fomos novamente brindados com um belo pôr do sol.







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